Eu quero flores. 
Quero comida na cama, cachorro pulando nos lençóis, farejando. Quero sentir o cheiro de café logo pela manhã, abraçar teu corpo quente, seminu. Quero tranquilidade, uma música no fundo, dançar pela casa. Quero ter um bom dia, aprender a arranhar o violão, entrar para a academia, mas nunca ir, porque na verdade você gosta do meu corpo como ele é, e eu nunca quis mesmo perder aqueles três quilinhos que estão circulando por aqui. Quero sorrir com um gesto bobo, sonhar acordada. Quero vinho às três da tarde, banho de chuva à meia-noite. Quero uma vida pacata, numa casinha apertada, onde nossos livros se amontoam pelos cantos, pois não cabem mais estantes nos corredores. Quero cheiro de torrada enchendo minhas narinas e aquela sensação de que já fiz isso mil e uma vezes, mas estou disposta a contar muito mais. Eu quero seu cheirinho na minha camiseta favorita e todos os seus horários decorados na minha mente, porque meu calendário está adaptado para receber suas folgas. Eu quero você de manhã, acordando comigo, e de noite, me contando como foi seu dia. Quero assistir nosso filme favorito pela quarta vez na mesma semana e ainda rir nas partes mais bobas. Quero uma vida. Qualquer vida, só aquela vida onde você é o centro e a marginal. Onde você é quem faz o sinal e eu vou, deito-me na cama e me torno um pedaço de você, uma vida. 



Não adianta tentar, esse negócio de "fazer a coisa certa" não existe. 
Por mais que você tente, a coisa certa escapole das mãos, corre entre os dedos e vai embora, porque, na verdade, ela nunca existiu. Qual o conceito de coisa certa?
Sempre vai ter alguém que irá apontar o dedo e dizer que você está errado. Pois é! E você aí achando que estava fazendo a coisa certa. Esses dias eu acordei às onze horas da manhã, porque a noite anterior me tirou o sono, não consegui dormir mesmo. E lá estava eu, descansando. É a coisa certa a se fazer, afinal, eu estava tirando as oito horas de sono diárias que é recomendável para manter a saúde e a mente funcionando corretamente. Mas, num resumo malfeito do que é ser adulto, a regra é básica: você deve acordar cedo e tocar a vida. Sim. Eu sei. Eu teria que acordar cedo e tocar a vida, mas eu não trabalho fora de casa. Meus horários são regulados por mim, então eu decidi que naquele dia eu iria dormir mais tarde e acordar, consequentemente, um pouquinho mais tarde. Achei que seria a coisa certa a se fazer, por diversos motivos. Chegando à minha casa às onze horas, algumas pessoas cochicharam como era uma vergonha eu ainda estar na cama numa hora daquelas. Mas, oras, eu tinha meus motivos. Para mim, eu estava fazendo a coisa certa. Mas não era não. Apontaram o dedo para mim e acusaram-me de ser preguiçosa. Só que não viram que, na noite anterior, às três horas da manhã, eu estava trabalhando, colocando a mente em ação, criando. Tsc. Ninguém sabia dessa parte, mas mesmo assim houve julgamentos. Porque ninguém tem o direito de dizer se o que eu fiz, ou o que o vizinho, que terminou o relacionamento saudável de uma hora para a outra, ou o que aquela prima que decidiu sair de casa aos dezessete anos fez, ou o que aquele amigo que começou a se alimentar mal só porque estava magro demais fez, é a coisa certa ou errada. Quando diz respeito a apenas uma pessoa, é ela quem decide se aquilo é certo. Estou certa? 
Pois é. Vai ter gente que ainda vai dizer que não. 



Esses dias aí eu tava pensando sobre últimas palavras. É foda pensar sobre isso, porque quanto mais a gente pensa, mais a gente fica pensando sobre isso. É como um ciclo vicioso, e é chato, porque pensar sobre isso faz crescer uma paranoia dentro da gente. Minha vó acabou de me perguntar se eu vou comprar o pão e eu disse que não, aí entrei em casa. Parei, olhei pra trás e pensei: essas não podem ser as últimas palavras da minha avó pra mim. Não é possível. Mas é possível sim. Acontece muito mais do que a gente pensa, porque na verdade quase ninguém vive falando coisas poéticas por aí, então a chance de ter uma delas como última palavra é mínima. Agora, toda vez que saio de casa ou minha mãe vai ali na casa de uma amiga no fim da rua, fico pensando: será que "beleza" vai ser nossas últimas palavras? Eu espero que não. Ai grito, do meio da escada um "se cuida aí" porque eu não sei dizer "te amo", simplesmente não sei, e minha mãe me pergunta se eu estou ficando maluca. Ela é assim mesmo, nunca gostou de demonstrar nenhum tipo de cuidado com ninguém, embora ela queira. Ela não diz, mas não quer dizer que não sente. Então, ela foi lá e disse que eu tava maluca porque tinha mandado ela se cuidar. Que coisa louca, né? Vejo todas essas famílias por aí que se abraçam no ano novo e dizem coisas como: eu te amo muito, felicidades nesse próximo ano. Na última virada de ano eu abracei meu pai e disse "obrigada por tudo". Foi um ano bom pra a gente, e ele me ajudou demais, então eu pensei em agradecer. Isso resultou em um abraço desconfortável e um silêncio doloroso. Mas depois eu ri, porque sei que ele não sabe falar coisas desse tipo também. Pra mim já foi um sacrifício, imagina pra ele, que me ensinou a ser assim. Enfim, foi engraçado e uma merda ao mesmo tempo. Voltando as últimas palavras, minha avó morreu um ano desses ai e nossas últimas palavras foram sorrisos. Eu sorri pra ela, sorri muito, porque ela estava no hospital e eu não sei o que falar quando alguém está no hospital. Eu não sei o que falar em momento nenhum, quase, mas isso aí não posso mudar, ta comigo mesmo, então aceitei. No hospital, eu sorri bastante e minha avó ficou me olhando assim, lembrando de mim, e quando eu fui embora, beijei sua mão e soltei. Ela não soltou minha mão. Ela segurou, ficou me olhando até alguém me apressar, e eu disse: tenho que ir agora, mãe (todos os netos chamavam ela assim mesmo), mas eu volto na próxima semana.
Eu não voltei, porque ela morreu uns dias depois disso, e a última coisa que eu disse a ela foi uma mentira sem querer, mas não serve pra mim como últimas palavras. Pra mim, as nossas últimas palavras foram sorrisos, lembranças e beijos. É isso que quero dizer, as vezes não falamos nada, e essas são nossas últimas palavras. 



Ah, o egoísmo. 

Crescemos acreditando que é a pior coisa. Você não pode ser egoísta. Está entre os xingamentos mais cruéis e entre as características que tendem a afastar e separar os casais. Mas, o que é o egoísmo?

É feio pensar em nós mesmos, de quando em quando?

Quer dizer que, se eu fizer algo porque eu gosto, pensando em mim, em meu bem-estar e só nisso, estou sendo egoísta? Se você acha que sim, bem, sinto muito, mas você não vai gostar nada do rumo que esse texto tomará. 

Para mim, a ideia do egoísmo feio veio do medo de alcançar coisas sozinho, e aí acabar perdendo quem está ao seu redor, por receio de que a pessoa, a oportunidade, a chance, vá embora. Mas não vai. Vai por mim: você pode ser egoísta de vez em quando, sim. Não há nada de errado em pensar em si. Em querer o melhor para si! É o que nos faz um pouquinho humanos. Todo mundo tem um pouco de egoísmo dentro de si, só que alguns tentam mascará-lo com ações altruístas que, no fundo, no fundo, servem também para massagear o ego de quem tanto só pensa "nos outros", e está ali praticando uma ação "de graça", recebendo em troca, o quê? Exatamente: a satisfação. O orgulho e o sentimento de paz que invade nosso peito depois de nos depararmos com uma boa ação. Fazemos, 20%, para nos sentirmos bem. 

Então até os mais altruístas, são egoístas. 

Incrível, né?

Mas é assim mesmo. 

Essas coisas tomam tempo para entrar na cabeça. Mas, um dia, depois de tanto se deparar com essa palavra sendo usada de maneira errada, talvez você, nós, todos nós, começaremos a pensar de uma forma diferente.