Esses dias aí eu tava pensando sobre últimas palavras. É foda pensar sobre isso, porque quanto mais a gente pensa, mais a gente fica pensando sobre isso. É como um ciclo vicioso, e é chato, porque pensar sobre isso faz crescer uma paranoia dentro da gente. Minha vó acabou de me perguntar se eu vou comprar o pão e eu disse que não, aí entrei em casa. Parei, olhei pra trás e pensei: essas não podem ser as últimas palavras da minha avó pra mim. Não é possível. Mas é possível sim. Acontece muito mais do que a gente pensa, porque na verdade quase ninguém vive falando coisas poéticas por aí, então a chance de ter uma delas como última palavra é mínima. Agora, toda vez que saio de casa ou minha mãe vai ali na casa de uma amiga no fim da rua, fico pensando: será que "beleza" vai ser nossas últimas palavras? Eu espero que não. Ai grito, do meio da escada um "se cuida aí" porque eu não sei dizer "te amo", simplesmente não sei, e minha mãe me pergunta se eu estou ficando maluca. Ela é assim mesmo, nunca gostou de demonstrar nenhum tipo de cuidado com ninguém, embora ela queira. Ela não diz, mas não quer dizer que não sente. Então, ela foi lá e disse que eu tava maluca porque tinha mandado ela se cuidar. Que coisa louca, né? Vejo todas essas famílias por aí que se abraçam no ano novo e dizem coisas como: eu te amo muito, felicidades nesse próximo ano. Na última virada de ano eu abracei meu pai e disse "obrigada por tudo". Foi um ano bom pra a gente, e ele me ajudou demais, então eu pensei em agradecer. Isso resultou em um abraço desconfortável e um silêncio doloroso. Mas depois eu ri, porque sei que ele não sabe falar coisas desse tipo também. Pra mim já foi um sacrifício, imagina pra ele, que me ensinou a ser assim. Enfim, foi engraçado e uma merda ao mesmo tempo. Voltando as últimas palavras, minha avó morreu um ano desses ai e nossas últimas palavras foram sorrisos. Eu sorri pra ela, sorri muito, porque ela estava no hospital e eu não sei o que falar quando alguém está no hospital. Eu não sei o que falar em momento nenhum, quase, mas isso aí não posso mudar, ta comigo mesmo, então aceitei. No hospital, eu sorri bastante e minha avó ficou me olhando assim, lembrando de mim, e quando eu fui embora, beijei sua mão e soltei. Ela não soltou minha mão. Ela segurou, ficou me olhando até alguém me apressar, e eu disse: tenho que ir agora, mãe (todos os netos chamavam ela assim mesmo), mas eu volto na próxima semana.
Eu não voltei, porque ela morreu uns dias depois disso, e a última coisa que eu disse a ela foi uma mentira sem querer, mas não serve pra mim como últimas palavras. Pra mim, as nossas últimas palavras foram sorrisos, lembranças e beijos. É isso que quero dizer, as vezes não falamos nada, e essas são nossas últimas palavras.